quinta-feira, março 30, 2006

TAYLEUR – UM EXEMPLO

Em meados do século XIX, estava em pleno desenvolvimento o fluxo imigratório para a Austrália. A White Star Line, que acabava de ser fundada em 1845 por John Pilkington e Henry Wilson, tinha sede no cais de Liverpool e tinha se integrado no tráfego de passageiros, além do já consolidado tráfego de mercadorias. Em 1845, a jovem companhia de navegação decidiu estabelecer-se com um navio que fosse capaz de desenvolver o máximo de velocidade permitido pelos conhecimentos tecnológicos da época e que, portanto, pudesse realizar o serviço para os imigrantes em período mais curto. A escolha foi o Tayleur, um navio de ferro de 1.997 toneladas, de propulsão à vela.
-
Chegado o emocionante momento da viagem inaugural, na quinta-feira de 18 de janeiro de 1854, o Tayleur zarpou de Liverpool rumo a Melbourne sob o comando de John Noble. As previsões eram boas depois do primeiro dia de navegação, no entanto o vento mudou de direção e no segundo dia o barco avançou em velocidade reduzida, muito abaixo dos 2 nós. Pouco depois de meia-noite de sábado, as condições meteorológicas pioraram de repente e começou a soprar um forte vento com tempestade no mar. O barco navegava em meio a dificuldades cada vez maiores, aproximando-se perigosamente da costa. Era necessário evitar que o vento empurrasse o navio contra as rochas da ilha de Lambay, a 12 milhas ao norte de Dublin, motivo pelo qual o capitão Noble deu uma série de ordens com o objetivo de ganhar maior espaço para manobras. Em desespero, deu-se conta de que o navio não respondia às ordens e de que não era possível virá-lo pela parte da popa e direcioná-lo para a costa contrária. Tomado pelo pânico, tentou outra manobra, alçando ao mesmo tempo a vela de trinquete e a da mezena, mas o Tayleur, como que atraído por uma calamidade, se dirigia inexoravelmente para os escolhos.
-
Numa tentativa de refrear aquela corrida suicida, o capitão ordenou lançar a âncora de bombordo, mas esta solução também falhou: a corrente não conseguiu suportar o enorme esforço a que era submetida e estourou com um grande estrondo. Pouco depois, o mesmo destino arrebatou a corrente da âncora de estibordo, e os pobres coitados que estavam a bordo viram como se esgotava a última maneira possível de conter aquela corrida louca e como o navio se dirigia de costas contra as rochas da ilha de Lambay. Além dos 75 homens da tripulação, encontravam-se a bordo pouco mais de 500 passageiros, cuja maioria viajava na terceira classe e apenas 16 estavam nos camarotes. Puxado contra as rochas e fustigado pelas violentas rajadas de vento, o barco não conseguia mais resistir. Naquele inferno, não era possível buscar saída nas lanchas de salvamento, deixadas em seus suportes. Um cabo foi lançado à praia e, por meio desse improvisado e precário teleférico, iniciaram-se as operações de abandono do navio. Faltavam apenas poucos minutos para o navio quebrar-se devido às pancadas de ondas terríveis, que nele batiam com sinistro estrondo. Graças ao frágil cabo, 230 pessoas conseguiram chegar à praia, ao passo que para 349 pessoas não houve nenhuma possibilidade de salvar suas vidas.
-
O Tayleur afundou depois de as ondas e escolhos terem aberto seu ventre de ferro. Por que ocorreu um naufrágio – desse modo? Orgulho da White Star Line, por que este navio, alugado pela Charles Moore & Co., e considerado o mais veloz, não agüentou mais que dois dias de navegação, terminando em tragédia a viagem inaugural que deveria consagrá-lo como o mais rápido meio de transporte para se chegar à Austrália? Pelos diferentes depoimentos obtidos pela comissão de investigação após o terrível desastre, concluiu-se que a responsabilidade do que havia ocorrido deveria ser atribuída aos armadores, e não à negligência do capitão e da tripulação. Na verdade, o navio não se virava para a popa de maneira adequada, mas não foram feitos testes no mar antes da primeira viagem, nos quais ficaria evidente que o veleiro não respondia ao timão. O dado que mais impressionou a opinião pública e os juízes da investigação oficial foi saber que quase metade dos passageiros era composta por mulheres e crianças, que morreram praticamente em sua totalidade. Desses, salvaram-se apenas duas mulheres e uma criança. Por outro lado, era quase impossível que uma mulher ou uma criança pudesse resistir àquelas condições: com as mãos desprotegidas e dependuradas em uma corda que se estendia para a costa. A partir daquele momento, as autoridades responsáveis pelo controle do tráfego marítimo estabeleceram como obrigatoriedade que os barcos, depois de prontos, realizassem testes no mar antes de iniciar a navegação. Por infelicidade, foi necessária semelhante tragédia.

quinta-feira, março 23, 2006

RESGATEM O TITANIC - Cliver Cussler

Abril de 1912

Prólogo

O homem no camarote 33 do convés A remexeu-se e virou-se em seu estreito beliche, o rosto suado, a mente mergulhada num pesadelo. Era um homem pequeno, de pouco menos de um metro e sessenta, cabelos brancos ralos e uma face suave, na qual o único traço marcante eram as vastas e escuras sobrancelhas. As mãos estavam enlaçadas sobre o peito e ele torcia os dedos num ritmo nervoso. Aparentava ter cinqüenta e tantos anos. Sua pele tinha a cor e a textura de uma calçada de concreto, e havia rugas profundas debaixo dos olhos. Entretanto, completaria trinta e quatro anos daí a dez dias.

O desgaste físico e a tormenta mental dos últimos cinco meses haviam-no levado a um estado tal que tocava às raias da loucura. Durante as horas em que permanecia acordado, sua mente divagava por caminhos vazios e ele perdia a noção do tempo e da realidade. Precisava esforçar-se a cada instante para lembrar onde se encontrava e que dia era. Estava ficando louco, vagarosa e irremediavelmente louco, e o pior de tudo é que ele tinha conhecimento disso.

Seus olhos se abriram alvoroçados e se fixaram no ventilador silencioso que pendia do teto de seu camarote. Passou as mãos pela face e sentiu a barba de duas semanas. Não foi necessário examinar suas roupas, pois bem sabia que elas estavam sujas, amarrotadas e manchadas por suores conseqüentes de seu estado de nervos. Deveria ter tomado um banho e mudado a roupa logo que embarcou, mas, em vez disso, atirou-se no beliche e dormiu um sono povoado de fantasmas, interrompido por vezes, durante quase três dias.
Era um domingo e a noite ia avançada, e o navio não deveria atracar no cais de Nova York antes de quarta-feira cedo, daí a pouco mais de cinqüenta horas.

O homem procurou convencer-se de que agora estava fora de perigo, mas sua mente se recusava a aceitar tal coisa, embora o prêmio que custou tantas vidas estivesse absolutamente seguro. Pela centésima vez, sentiu o volume no bolso do colete. Satisfeito porque a chave ainda estava lá, esfregou a mão sobre a testa brilhante e fechou os olhos mais uma vez.

Não estava seguro do tempo que se passou enquanto cochilava. Alguma coisa acordou-o com uma sacudidela. Não foi um ruído forte nem um movimento violento, foi antes um tremor de seu colchão e um ruído esquisito como se alguma coisa estivesse sendo triturada em algum ponto por debaixo de seu camarote de boroeste. Ele se ergueu e se sentou numa posição rígida, baixando os pés em direção ao piso. Poucos minutos se passaram e uma calma incomum envolveu o navio, nenhuma vibração se ouviu mais. Então, sua mente anuviada percebeu a razão. As máquinas tinham parado. Ele permaneceu ali sentado, escutando, mas os únicos sons que lhe chegaram foram os leves gracejos dos moços de bordo pelo corredor e a conversa abafada dos camarotes adjacentes.

Uma terrível sensação de desconforto o envolveu. Outro passageiro qualquer poderia ter ignorado a interrupção e voltado a dormir, mas ele estava a um passo de um esgotamento nervoso, e seus cinco sentidos estavam exaltados, aumentando as proporções de cada impressão. Três dias fechado no camarote, sem comer e sem beber, revivendo os horrores dos últimos cinco meses, serviram somente para avivar os fogos da insanidade por trás de sua mente em rápido processo de degeneração.

O homem abriu a porta e caminhou de modo inseguro pelo corredor até a escadaria. Pessoas riam e conversavam ao regressar do salão de estar para seus camarotes. Olhou para o relógio ornamental de bronze, ladeado por duas figuras em baixo-relevo, acima do patamar entre os dois lances da escadaria. Os ponteiros dourados indicavam onze horas e cinqüenta e um minutos.

Um moço de bordo, parado junto a um pomposo candelabro, na base da escadaria, olhou-o desdenhosamente, sem dúvida por ver um passageiro tão mal vestido passeando pelos setores destinados à primeira classe, enquanto todos os outros percorriam os ricos tapetes orientais em elegantes trajes de noite.

- As máquinas - elas pararam - disse, pesadamente.

- Provavelmente para alguma ajustagem de menor importância, cavalheiro - respondeu o moço de bordo. - É um navio novo, fazendo sua primeira viagem, e tudo o mais. É natural que apareçam alguns pequenos contratempos. Nada para causar preocupação. Este navio não pode afundar, como sabemos.

- Uma vez que é feito de aço, ele pode afundar. – O homem esfregou os olhos avermelhados. - Acho que vou dar uma olhada lá fora.

O moço de bordo meneou a cabeça.

- Eu não aconselharia isso, cavalheiro. Lá fora está terrivelmente frio.

O passageiro do terno amarrotado deu de ombros. Estava habituado ao frio. Virou-se, subiu um lance de escada e saiu por uma porta que dava para o convés principal. Quase retrocedeu, pois parecia que mil agulhas o espetavam. Depois de passar três dias no aconchego morno de seu camarote, foi um choque para ele sentir no rosto o ar exterior à temperatura de meio grau abaixo de zero. Não havia o mais leve sinal de vento, apenas uma camada de ar frio, cortante, que descia do céu sem nuvens e envolvia o navio.

Caminhou para a amurada e levantou a gola do casaco.

Debruçou-se, mas apenas avistou o mar negro, calmo como o lago de um jardim. Então, olhou para vante e para ré. O convés principal, desde o passadiço, depois dos camarotes dos oficiais, até a cobertura elevada do salão de fumar da primeira classe, estava totalmente deserto. Somente a fumaça derivando se preguiçosamente das três primeiras chaminés imensas pintadas de preto e amarelo - o navio possuía quatro - e as luzes brilhando através das janelas do salão de estar e de leitura denunciavam a proximidade de vida humana.

A espuma branca ao longo do costado foi diminuindo e se tornou negra à medida que o grande barco, vagarosamente, foi perdendo seguimento e deixando arrastar-se silenciosamente por baixo do imenso manto de estrelas. O comissário de bordo saiu da sala de reunião dos oficiais e olhou sobre a borda.

- Por que paramos? - indagou o homem.

- Batemos em qualquer coisa - respondeu o comissário sem se virar.

- É sério?

- Não é provável, cavalheiro. Se houver algum vazamento, as bombas se encarregarão do assunto.

De repente, um trovejar de rebentar os ouvidos teve início, como se cem locomotivas de Denver e do Rio Grande, ribombando ao mesmo tempo dentro de um túnel, irrompessem dos oito condutos de exaustão. Mesmo quando levou as mãos aos ouvidos, o passageiro reconheceu a causa. Lidara com máquinas por um período suficientemente longo para saber que o vapor estava sendo lançado para o exterior através das válvulas de segurança em virtude do excesso de pressão conseqüente da parada das máquinas principais. O terrível estrondo tornou impossível continuar a conversa com o comissário. Ele se voltou e observou os outros membros da tripulação que apareciam no convés principal. Um medo terrível contraiu seu estômago quando ele os viu começar a descobrir os barcos salva-vidas e desenrolar os cabos dos turcos.

Permaneceu ali por quase uma hora, enquanto o ruído dos condutos de exaustão ia morrendo dentro da noite. Agarrado à amurada, indiferente ao frio, ele quase não notava os pequenos grupos de passageiros que percorriam o convés principal numa estranha e calma forma de confusão.

Um dos jovens oficiais do navio passou por ele. Tinha vinte e poucos anos, e sua face possuía a coloração branco-leitosa tipicamente inglesa, e também tipicamente inglesa era sua expressão de cansado-de-tudo-isso. Ele se aproximou do homem na amurada e bateu no seu ombro.

- Perdão, cavalheiro, mas o senhor deve colocar seu colete salva-vidas.
O homem se voltou vagarosamente e fixou-o.
- Nós vamos afundar, não é mesmo? - perguntou, com voz rouca.
O oficial hesitou um momento, depois assentiu.
- A água está entrando mais rapidamente do que as bombas podem esvaziar.
- Quanto tempo ainda nos resta?
- É difícil dizer. Talvez mais uma hora, se as águas não atingirem as caldeiras.
- Que aconteceu? Não havia outro navio nas proximidades.
Contra o que batemos?
- Contra um iceberg. Cortou nosso casco. Uma falta de sorte danada.
O homem segurou o braço do oficial com tanta força que o rapaz estremeceu.
- Tenho de entrar no compartimento de carga.
- Há pouca possibilidade de conseguir isso, cavalheiro.
O compartimento das malas de correio no convés F está ficando alagado e a bagagem já está flutuando.
- Você precisa conduzir-me até lá.
O oficial tentou desprender o braço, mas ele estava preso como num torno.
- Impossível! Minhas ordens são para cuidar dos barcos salva-vidas de boreste.
- Algum outro oficial poderá cuidar dos barcos – disse o passageiro com voz apagada. - Você vai mostrar-me o caminho para o compartimento de cargas.
Foi então que o oficial percebeu duas coisas incômodas.
A primeira, uma expressão de loucura na face do passageiro, e a segunda, a boca de um revólver fazendo pressão contra seus órgãos genitais.
- Faça como eu pedi - rosnou o homem -, se você deseja conhecer seus netos.
O oficial olhou silenciosamente para a arma e depois levantou os olhos. Alguma coisa dentro dele se alterou repentinamente.

Discutir ou resistir estava fora de cogitação. Os olhos avermelhados pareciam duas brasas alimentadas pelo fogo da insanidade mental.
- Posso apenas tentar.

- Pois então tente! - rosnou o passageiro. - Mas nada de truques. Permanecerei o tempo todo atrás de você. Qualquer gesto idiota de sua parte e eu lhe meto uma bala na espinha.

O homem colocou discretamente o revólver no bolso do casaco, com o cano encostado nas costas do oficial. Caminharam sem dificuldade através da multidão que se acotovelava e que agora punha em desordem o convés principal. O navio parecia outro. Não havia mais risos ou alegria, nem distinção de classes; ricos e pobres estavam ligados pelos laços do medo.

Os moços de bordo eram as únicas pessoas que riam e diziam banalidades, enquanto distribuíam os salva-vidas.

Os foguetes lançados para assinalar o perigo iminente pareciam pequenos e ridículos sob a escuridão sufocante; o espocar dos chuveiros brancos somente era presenciado pelas pessoas a bordo do navio condenado. Tudo isso, aliás, constituía um fundo irreal para os adeuses de partir o coração, as expressões forçadas de esperança nos olhos dos homens ao içarem suas mulheres e seus filhos para dentro dos barcos salva-vidas.

O terrível aspecto irreal da cena foi ainda aumentado quando a orquestra de oito figuras do navio se reuniu no convés principal com seus instrumentos e suas jaquetas claras. Começaram a executar uma música de lrving Berlin, Alexander's ragtime bando.

O oficial de bordo, empurrado pelo revólver, lutou para descer a escada principal contra a onda de passageiros que vinha subindo em busca dos barcos salva-vidas. O pequeno ângulo de inclinação para a proa estava se tornando mais pronunciado.

Ao descerem os degraus, sentiam dificuldade em manter o equilíbrio.

No convés B, apanharam um elevador, em que desceram até o convés D.

O jovem oficial voltou-se e estudou o homem cujo estranho capricho o conduzia, inexoravelmente, a uma morte certa.

Os lábios estavam apertados sobre os dentes, os olhos, vidrados, com um olhar distante. O passageiro levantou os olhos e viu a expressão do oficial que o encarava. Por um longo tempo, ficaram olhando um para o outro.

- Não se preocupe...
- Bigalow, cavalheiro.
- Não se preocupe, Bigalow. Conseguirá safar-se antes que ele afunde.
Que compartimento de carga o senhor deseja?
O cofre no compartimento número 1, convés G.
O convés G com certeza está alagado agora.

Somente poderemos saber quando chegarmos lá, não acha? - O passageiro fez um movimento com o revólver no bolso do casaco no momento em que a porta se abriu. Os dois saíram do elevador e abriram caminho através das pessoas que ali se encontravam.

Bigalow rasgou com um puxão seu cinto de salvamento e correu pela escada de descida para o convés E. Ali, parou e olhou para baixo: a água subia os degraus vagarosamente, mas de forma persistente. Algumas luzes ainda estavam acesas sob a fria água verde e produziam uma claridade fantasmagórica.

- Não vai ser possível. Veja o senhor mesmo.
- Existe algum outro caminho?
- As portas estanques foram fechadas logo após o acidente.
Podemos consegui-lo usando as escadas de emergência.
- Então, vamos a elas.

O percurso através de passagens tortuosas continuou rapidamente por um labirinto sem fim de passagens, escadinhas e túneis. Bigalow fez uma parada e levantou a tampa de uma escotilha redonda. Surpreendentemente, ao olhar pela pequena abertura, verificou que a água no convés de baixo havia subido apenas pouco mais de meio metro.

- Nenhuma esperança - mentiu. - Está alagado.
O passageiro empurrou o oficial para um lado e olhou ele próprio.
- Está suficientemente seco para o que eu desejo - disse, vagarosamente. Apontou o revólver para a escotilha. - Continue.

As luzes do teto continuavam acesas no compartimento, enquanto os dois homens faziam seu caminho, através da água, até a caixa-forte do navio. Os mortiços raios de luz faziam brilhar os metais de um enorme carro Renault preso ao convés.

Ambos os homens tropeçaram e caíram diversas vezes na água gelada, ficando seus corpos dormentes por causa do frio.

Cambaleando como se estivessem embriagados, chegaram por fim ao cofre. Era um cubo no meio do compartimento de carga, com dois metros e quarenta de aresta. Suas poderosas paredes foram construídas com aço de Belfast de trinta centímetros de espessura.

O passageiro retirou do bolso do colete uma chave, que introduziu na fechadura. O sistema de fechamento ainda estava meio duro por ser novo, mas finalmente os ferrolhos cederam produzindo um dique. Ele empurrou a porta e entrou no cofre.

Foi então que o homem se voltou e sorriu pela primeira vez.
- Obrigado pela ajuda, Bigalow. Trate de subir, rápido.
Ainda há tempo para você.
Bigalow olhou, intrigado.
- O senhor vai ficar?
- Sim, vou ficar. Assassinei oito homens bons e decentes.
Não posso continuar vivendo com esse peso. - Isso foi dito com simplicidade e num tom que não admitia réplica. - O assunto está encerrado e completo. Está tudo acabado.
Bigalow tentou falar, mas as palavras lhe faltaram.

O passageiro compreendeu e assentiu, e puxou a porta, que se fechou sobre ele.
- Agradeço a Deus por Southby - disse ainda.
E desapareceu na escuridão do cofre.
Bigalow sobreviveu.

Venceu a corrida contra a água que subia e conseguiu atingir o convés principal e atirar-se pela borda, apenas alguns segundos antes que o navio afundasse.

No momento em que o grande transatlântico afundou, sua flâmula vermelha com a estrela branca, que estivera pendurada no topo do mastro de ré na calma mortal da noite, de repente panejou ao tocar a água, como num cumprimento final aos mil e quinhentos homens, mulheres e crianças que estavam morrendo de frio ou se afogando nas águas geladas do oceano.

Um instinto cego empolgou Bigalow, que estendeu o braço e agarrou a flâmula, quando esta lhe passou ao alcance. Antes que sua mente se desse conta, antes que pudesse pensar em todo o perigo de seu ato louco, ele se sentiu puxado para debaixo da água. Mesmo assim, continuou segurando a flâmula, recusando-se a largá-la. Já estava a quase seis metros abaixo da superfície, quando a alça da flâmula se desprendeu da adriça, e o prêmio era seu. Somente então ele lutou para voltar à tona, em meio à escuridão que o envolvia. Depois do que lhe pareceu uma eternidade, tornou a respirar o ar da noite, feliz porque a esperada sucção resultante do afundamento do navio não o tinha apanhado.

A água, a dois graus abaixo de zero, quase o matou então.

Mais dez minutos àquela temperatura de congelamento, e teriam sido ligeiramente diferentes os números que representaram os resultados daquela catástrofe.

Um cabo o salvou; estava amarrado a um barco virado, e, após correr por sua mão, foi afinal agarrado. Com as últimas forças já o abandonando, Bigalow conseguiu puxar o corpo para cima do barco e compartilhou com outros trinta homens a dormência dolorosa de seus corpos quase congelados, até que foram resgatados por um outro navio quatro horas depois.

Os gritos angustiantes das centenas de pessoas que morreram haveriam de permanecer, para sempre, nas mentes daqueles que sobreviveram. Mas enquanto estava pendurado no barco virado e quase submerso, Bigalow somente se lembrava daquele homem estranho que ficara trancafiado para sempre no cofre do navio.

Quem seria ele?
Quem seriam os oito homens que ele afirmara ter assassinado?
Qual seria o segredo do cofre?
Essas perguntas iriam perseguir Bigalow pelos próximos setenta e seis anos, até poucas horas antes do fim de sua vida.

O resto agora, somente lendo o livro...

segunda-feira, março 20, 2006

MÁQUINAS MOTRIZES

Imediatamente após as salas de caldeiras, prosseguindo para a popa do navio, se encontrava a maquinaria motriz. Na primeira sala, maior e com pouco menos de 21 metros, ficavam os motores alternativos; na segunda, ao longo de 16 metros, situava-se a turbina. Os dois motores alternativos, de quatro cilindros e de expansão tripla, foram construídos nos estaleiros Harland &Wolff. Eles punham em funcionamento as duas hélices laterais e, em ação combinada, desenvolviam uma potência de 30.416 cavalos de 75 rpm, capazes de impelir o navio para frente a uma velocidade de 21 nós.
-
Na segunda sala de máquinas, uma turbina Parsons, de 427 toneladas, acionava a terceira hélice central, aproveitando a pressão baixa do vapor dos motores principais. Com a soma dos 16.222 cavalos da turbina, o transatlântico podia atingir uma velocidade de 24 nós, que, todavia não eram suficientes para superar os navios rivais da Cunard. Tanto nos motores alternativos como na turbina, o ciclo percorrido pelo vapor em todo o aparelho era o mesmo. Enquanto funcionava, uma determinada quantidade de água se convertia em vapor na caldeira, onde havia adquirido uma certa energia térmica, graças ao calor produzido pela combustão.
Ao mesmo tempo, um peso equivalente de vapor saía da caldeira e, por meio de tubos bem isolados para reduzir ao mínimo a dispersão de calor, chegava ao motor, onde, agindo sobre os pistões dos motores alternativos ou sobre os motores da turbina, realizava seu trabalho.
-
FOTO: As grandes pás de bronze, agora já embutidas e prontas para serem montadas sobre seus longos eixos reforçados, para transmitir para as hélices toda a potência produzida pelas turbinas no ventre do navio.

sexta-feira, março 17, 2006

OS MAIS PRÓXIMOS AOS PASSAGEIROS

Além dos camarotes dos marinheiros, a bombordo do convés E se situava o alojamento dos garçons e do pessoal de serviço, que correspondia à parte mais consistente da força de trabalho a bordo. Em geral, servir nos transatlânticos modernos era considerado um trabalho bom. No Titanic particularmente, a magnificência e o luxo presentes em todos os detalhes acabam refletindo de certo modo nesta parte de empregados que, pelo tipo de tarefa desempenhada, mantinha contato direto com uma clientela rica e refinada, conhecida internacionalmente. Renunciando à conquista da primazia em velocidade para vencer a concorrência alemã e da Cunard Line, a White Star Line se estabelecera o objetivo de oferecer o melhor serviço a bordo. Para conseguir esse nível de atendimento aos passageiros, a companhia de navegação de Liverpool tinha selecionado cuidadosamente os empregados que fariam esse tipo de serviço, principalmente em função da experiência adquirida em outros navios. Por outro lado, todo garçom se esforçava ao máximo mesmo nos trabalhos mais simples, como o de limpeza, pois podia acontecer de encontrar um objeto perdido, por exemplo, cuja devolução garantiria considerável gorjeta. No barco todo havia 1.500 campainhas que podiam ser acionadas para a chamada urgente de um garçom. A rapidez de resposta determinava aquele sentimento de calorosa atenção com a qual os passageiros se sentiam lisonjeados.

domingo, março 12, 2006

A DINASTIA ASTOR

O fundador da riquíssima dinastia Astor era um pobre camponês que imigrou para os Estados Unidos em 1783. A sua fortuna surgiu do comércio de casacos de pele, mas o verdadeiro sucesso foi obtido graças á sua paixão pela terra.
-
Em conversa com um advogado, teve um grande impacto ao saber que mais de 50.000 acres de terra de Putman County, em Nova York, na realidade não pertenciam aos camponeses que ali viviam e que haviam comprado do governo. De fato, anos antes, essas terras tinham sido outorgadas em aluguel durante a vida ao conservador Roger Morris, de quem a cidade de Nova York confiscou posteriormente. Segundo o advogado, o problema legal de todo o trâmite era a ilegalidade do procedimento adotado, porque juridicamente não era possível confiscar um aluguel. John Jacob Astor (foto), não se limitou a ouvir, mas passou imediatamente às vias de fato. Viajou para a Inglaterra, onde viviam os herdeiros de Roger Morris, e deles comprou os direitos.
-
De volta a Nova York, notificou as 770 famílias de que deveriam desocupar os terrenos, pois as posses eram ilegais. Ocorreu uma dura batalha na justiça, que concluiu no reconhecimento parcial da posição de J.J. Astor, que insistiu pretendendo açambarcar, com pouco dinheiro, todas as propriedades indevidas de Manhattan graças à crise financeira de 1837. Após o enorme desenvolvimento da cidade de Nova York, os terrenos adquiridos com poucos dólares multiplicaram seu valor, transformando John Jacob Astor no homem mais rico dos Estados Unidos até a sua morte, em 1848.
-
Seu neto, William W. Astor, não se contentando com o primado da riqueza, quis adquirir patente de nobreza e comprou na Inglaterra o título de visconde de Rever Castle.
-
John Jacob Astor (1763-1848) foi um hábil caçador e comerciante de peles. A ele se deve a primeira fortuna dos Astor.

quarta-feira, março 08, 2006

DIA DA MULHER

No dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.

A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.

Porém, somente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de março passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Objetivo da Data

Ao ser criada esta data, não se pretendia apenas comemorar. Na maioria dos países, realizam-se conferências, debates e reuniões cujo objetivo é discutir o papel da mulher na sociedade atual. O esforço é para tentar diminuir e, quem sabe um dia terminar, com o preconceito e a desvalorização da mulher. Mesmo com todos os avanços, elas ainda sofrem, em muitos locais, com salários baixos, violência masculina, jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Muito foi conquistado, mas muito ainda há para ser modificado nesta história.

Conquistas das Mulheres Brasileiras

Podemos dizer que o dia 24 de fevereiro de 1932 foi um marco na história da mulher brasileira. Nesta data foi instituído o voto feminino. As mulheres conquistavam, depois de muitos anos de reivindicações e discussões, o direito de votar e serem eleitas para cargos no executivo e legislativo.
-
-
Uma Homenagem a todas as mulheres mães, sonhadoras, aventureiras, guerreiras a bordo do RMS Titanic e a todas as mulheres do nosso tempo e convívio.

domingo, março 05, 2006

HOMENAGEM AOS MÚSICOS

Houve um grandioso concerto em memória e em prol das famílias dos músicos falecidos no naufrágio do RMS Titanic, realizado no Royal Albert Hall. Tocaram ali 500 músicos de 7 orquestras, sob a direção de Sir Edward Elgar. Foi a maior orquestra profissional que o mundo já vira até então. E foi um grande acontecimento de Londres naquela Primavera de 1912.
-
Houve também um grande funeral em 18 de maio de 1912 para o Regente da Orquestra, Wallace Hartley, na sua cidade natal, Colne, depois de seu corpo ter sido encontrado.
-
Pode-se contar também sobre o cruel desdobramento que o acidente teve para os pais do jovem John Law Hume (terceira fileira, primeira foto). Eles solicitaram uma indenização após a perda de seu único filho ( 21 anos incompletos ), nem o armador ( Joseph Bruce Ismay ), nem o empresário se sentiram obrigados a pagar nenhum tipo de indenização ou pensão. Ao contrário, a família Hume recebeu uma exigência de reembolso pela perda do uniforme, propriedade do empresário de cinco xelins e quatro pence. John Law Hume esta enterrado no cemitério de Fairview em Halifax.

sexta-feira, março 03, 2006

SOBREVIVENTES DO TITANIC EM 2006

LILLIAN GERTRUD ASPLUND
Classe: 3ª
Idade em 1912: 5 anos (foto)
Data de Nascimento 21/10/1906
Cidade Natal: Worcester, Massachusetts USA
-
BÁRBARA WEST DAINTON
Classe: 2ª
Idade em 1912: 1 ano
Data de Nascimento: 11/03/1911
Cidade Natal: Bournemouth, Dorsetshire, England

- MILLVINA DEAN
Classe: 3ª
Idade em 1912: 2 meses
Data de Nascimento: 2/2/1912
Cidade Natal: Camberwell, London, England

quinta-feira, março 02, 2006

NOMINATIVO RÁDIO TITANIC

Qual era o significado da sigla “MGY” com a qual se identificava a estação radiotelegráfica do Titanic?
-
Inicialmente, em janeiro de 1912, a empresa que tinha como diretor Marconi atribuiu à nova embarcação da White Star Line o nominativo “MUC”. Posteriormente, essa sigla foi modificada pela empresa de comunicação para “MGY”, um código utilizado até então por um navio norte-americano, o Yale.
-
Na realidade, apenas a letra “M” tinha um significado e, sem levar em conta o país de registro do barco, servia para indicar que se tratava de uma instalação Marconi, a maior companhia de rádio da época. Estes são, por exemplo, os nominativos rádio de uma estação costeira e de alguns navios ligados à história do Titanic:

CapeRace ............... MCE
Antillian .............. MJL
Amerika ................ DDR
Baltic ................. MBC
Calífornian ............ MWL
Caronia ................ MSF
Carpathia .............. MPA
Mesaba ................. MMU
Noordam ................ MRA
Olympic ................ MKC
-
Foi depois do naufrágio do Titanic que se realizou em Londres uma conferência internacional, na qual se decidiu padronizar os nominativos rádio e indicar os prefixos nas bases internacionais. Desse modo, as estações costeiras e os navios britânicos tiveram como primeiras letras de seus nominativos “M” ou “G”; a Alemanha, “D”; a França, “F”; a Itália, “I”; a Espanha, “E”; etc.